Projeto Bolso Literário: "Resposta Para Alberta", de Anselmo Dequero
Alberta, minha vizinha do 512, que divide seu pequeno apartamento com Átila, tentava há dias me informar sobre o que realmente estava ocorrendo com minha página naquela rede social. Tentava há dias, mas sem nenhum sucesso! Por isso, ainda me lembro como se fosse hoje do exato momento em que a encontrei com Átila no elevador... Entre suas sacolas de compra, afoita como de costume e inconveniente como de rotina, dizia que muitos não estavam concordando com aquilo que eu tinha postado na minha página pessoal. Alberta era estranhamente identificada pelos demais moradores do prédio devido à sua protuberância que parecia estar explodindo sempre que tentava nos convencer de algo; sempre que tentava insistentemente sobrepor sua opinião à opinião dos outros como se tivesse algum tipo de autoridade ou permissão concedida por agentes do mais alto escalão do governo (...). Alberta era estranhamente identificada pelos demais moradores do prédio devido à sua protuberância e à sua insistência. Mas naquele momento em específico, em que a porta do elevador se fechava lentamente – sim, a porta era lenta à semelhança de Seu Odilon, o síndico – sentia que teria momentos terríveis ao lado de Alberta e de Átila. Afoita e inconveniente, como disse há pouco, disse não aceitar e tampouco concordar com a postagem que havia feito em minha página pessoal sobre um protesto organizado por mulheres contrárias às opiniões de um certo candidato à presidência da república. Candidato à presidência da república que, segundo ela, defendia “a família, a moral e os bons costumes”; candidato à presidência da república que iria novamente “colocar o país no rumo certo, no rumo do desenvolvimento...” e tudo mais que somos obrigados a ler nessas frases prontas utilizadas por candidatos à presidência da república. Ela tentava me reprimir por ter justamente manifestado minha opinião na minha página naquela rede social. Não satisfeita, discorreu sobre o assunto num extenso e repetitivo texto que feria não somente minha opinião, mas a tão maltratada língua portuguesa. Não havia concordância verbal ou nominal, pontuação ou sentido em nenhuma das frases... Aliás, só havia uma única frase! Enfim, Alberta se sentia ainda no direito de me abordar e de me cobrar por simplesmente não a ter respondido; por simplesmente a ter ignorado ante a falta de respeito pelo fato de não termos – felizmente – a mesma opinião sobre um determinado assunto. Insatisfeita com minha posição, mas visivelmente feliz pelo elevador estar demorando como de costume a chegar no quinto andar, ainda ensaiou outro discurso ingênuo e desprovido de argumentos. Com seu semblante irritado, e aquela protuberância exposta – e assustadora – sobre a cabeça, disse que, numa próxima vez, eu deveria optar por expor minhas opiniões na minha rede social no “modo privado”. Desta forma, ela não teria mais que ler sobre o que a desagradasse ou a deixasse irritada por não estar de acordo com aquilo que ela acreditava ou pensava. Confesso que tinha (e ainda tenho) dúvidas se realmente em algum momento era possível pensar com aquela protuberância exposta sobre a cabeça. Será? O fato é que não tive tempo para pronunciar sequer uma sílaba naqueles momentos terríveis que se seguiram no elevador. Quando finalmente pensei que pudesse rebater às críticas – prefiro pensar que eram críticas – de Alberta o elevador parou. Átila latiu e saiu em direção ao pequeno apartamento que vivia com Alberta. O pobre canino visivelmente era o único a tolerar tamanha estupidez, como bem diziam os moradores do prédio. Sem opção, voltei para a minha página naquela rede social e então respondi ao amontoado de excremento de Alberta que em nenhum momento sequer havia solicitado a opinião de ninguém sobre aquele protesto organizado por mulheres contrárias às opiniões de um certo candidato à presidência da república; não havia solicitado a opinião de ninguém sobre nenhum assunto. Em todos esses anos, nunca manifestei minhas opiniões ou desejos nas publicações alheias e por um motivo simples: felizmente ninguém é obrigado a pensar como eu, ninguém é obrigado a ter a mesma opinião sobre os mais diversos assuntos que tanto permeiam as nossas redes sociais. Ninguém é obrigado a aceitar, mas a respeitar a individualidade e a opinião das outras pessoas, mesmo não concordando. Naquela postagem, tentei dizer à Alberta que respeitava sua opinião em defender um candidato à presidência da república que nunca demonstrou nenhuma sensibilidade às mulheres; nunca demonstrou nenhum respeito às ditas “minorias sociais”. O mais importante, no entanto, é que ainda estou numa frágil democracia onde posso expressar o que sinto e opinar sobre o que desejo e realmente faz alguma diferença em minha vida. Obs.: após a publicação do texto, Alberta continua morando em seu pequeno apartamento com Átila, no 512! A protuberância continua sobre sua cabeça. Eu, Aníbal, continuo escrevendo sobre aquilo que realmente quero nas páginas da minha rede social!
Anselmo Dequero é ator, jornalista e professor universitário.